MONSOON — Capítulo 00: Alma Selada
A noite estava fria e grossas gotas de chuva
atingiam as janelas da mansão, mesclando ruídos com os estrondos dos trovões
que se faziam cada vez mais presentes; de tempos em tempos um relâmpago vinha a
iluminar o céu e tudo o que havia abaixo dele. Não era sempre que tempestades
violentas como aquela caíam sobre toda Dünshar, especialmente ali no extremo
sul onde o clima era sempre duvidoso e de muito frio, com rios volumosos que abrangiam
grande parte de toda a região.
Num dos espaçosos quartos da mansão havia há
algumas horas se reunido parte dos karisim que ali viviam, seres humanoides,
portadores de longas asas e cada um com um belo par de chifres que cresciam ao
topo de suas cabeças. Cada um deles tinha toda a atenção voltada para uma
grande cama onde, tranquila e inocentemente, descansavam dois bebês, as
pequenas mãos enlaçadas, alheios de tudo o que acontecia ao seu redor.
- Mais cedo ou mais tarde eles irão descobrir que a
profecia não é mais apenas uma lenda e farão tudo o que for necessário para
acabar conosco, especialmente com elas! Eu devo lembrar do que aconteceu ontem,
Karma? – disse Fazu, os olhos cintilantes e azuis presos em uma expressão de
revolta e preocupação – Tem de ser tomada uma providência quanto à isso, Minäh;
nós não podemos deixá-las aqui. Estamos mais fracos a cada dia e eu não sei o
que faremos num próximo ataque.
Seus olhos cintilaram fixos na mulher à frente,
ajoelhada ao lado dos bebês que descansavam juntos, a cabeça baixa para eles. Ela
se mantinha em silêncio, como se não conseguisse dar real atenção ao que lhe
era dito. Os longos e finos dedos passeavam por suas bochechas, ora de uma, ora
de outra, sorrindo melancólica ao sentir a completa diferença de temperatura de
seus corpos: enquanto a pele de uma se encontrava extremamente fria, a outra
por sua vez era anormalmente quente.
Emergindo das sombras, foi à frente um dos outros
seres, segurando a mão de Minäh para que prestasse atenção ao que lhe era dito.
Ela ergueu a face em sua direção e não era surpresa ver lágrimas correrem
silenciosas por seu rosto, o olhar de súplica voltando a se abaixar em direção
aos pequenos seres, abraçando-os. Seus ombros começaram a balançar e os soluços
de seu choro começavam a se tornar audíveis.
- Eu não posso fazer isso... elas não podem crescer
longe da família. O que será delas? Como você espera que eu dê as minhas filhas
assim?
Fazu pressionou os punhos, voltando os olhos ao
karisim de cabelos negros.
- Karma, você é o pai, sabe tanto quanto eu o que é
certo a se fazer – insistiu o outro um pouco mais, avançando para ele, o punho
socava a sua própria palma como se para ressaltar a gravidade do problema; já
havia dois anos que a questão vinha a preocupar todos os ali presentes.
Os olhos rubros de Karma pareceram entrar em chamas
ao ouvir aquilo e as asas que vinham a arrastar ao chão se ergueram
ameaçadoramente para o irmão, fazendo com que o outro abaixasse a cabeça em
respeito e esquecesse qualquer insistência que pudesse vir a perdurar.
- Não são suas crias, Fazu, são minhas. A sua está
bem ali, e se fosse você no meu lugar? Se tivesse que sacrificar a sua filha? O que você faria?
Ele apontou bruscamente para uma criança com não
mais que cinco anos e de cabelos azulados como os do pai, que a todo momento se
encontrava no colo de sua mãe, Eshän. No entanto, uma voz fina e doce soou um
pouco mais distante na intervenção da cena e foi se aproximando, os saltos
pequenos tocando o chão em passos desapressados; Ruby tocou o braço do irmão
mais velho e o olhou fixo em seus olhos, tendo de erguer a cabeça para que
fosse bem-sucedido ao fazê-lo, tamanha a diferença de altura que tinham, os
fios negros recaíam em sua face, correndo sedosos para baixo de seu quadril.
- Desculpe-o, meu irmão. Tenho certeza de que Fazu
não quis ofender.... No entanto, me ouça por favor; é de conhecimento geral,
não apenas nosso, mas de todo o mundo o que poderá acontecer a elas quando
forem descobertas. A semelhança é inegável e nossa proteção não durará para
sempre, você sabe disso.
"É doloroso, eu não posso imaginar o quanto,
mas acompanhei tudo o que houve desde antes de virmos parar aqui. Escute os
seus irmãos, Karma, eles vão nos achar. E pelo bem delas, pela vida delas, faça
o que é certo."
O que Ruby dissera parecia ter surtido algum
efeito, pois as longas asas negras do karisim voltaram a se abaixar e ele
desceu o olhar para os bebês adormecidos ali ao lado. Ele acabou por se
ajoelhar e os braços fortes abraçaram Minäh por trás de seu corpo, de forma
carinhosa, como se a quisesse consolar daquela dor inevitável que a assolava;
se para ele como pai aquilo já era imensamente difícil, não podia imaginar o
sofrimento e o desespero que corria no coração daquela mãe. Beijou-a pelo ombro
desnudo, o choro se fazia presente já há meses ainda que ela procurasse
contê-lo todo o tempo, libertando-o apenas quando julgava estar sozinha pelos
cômodos da mansão. A cada instante que se passava aquilo parecia ainda mais
terrível para ela.
- Tem que haver outro jeito, Karma.... Por favor,
são nossas filhas... – ela dizia baixo e arrastado, inaudível para os que
estavam um pouco mais distantes ao fundo do quarto, escondidos pelas sombras.
- É a única maneira, Minäh. Se continuarem ao nosso
lado vão morrer, e num amanhã próximo o mundo se desdobrará em puro caos por
egoísmo nosso. Não adiantará lutarmos contra isso agora, estamos fracos; o
último ataque quase nos custou a vida. Não apenas a minha ou a sua, mas a de
todos nós, não somos completos imortais, sabe disso, querida. Eles sentem a
energia exalar daqui, e em dois anos nós lutamos dia após dia para não sermos
descobertos. Não podemos continuar assim...
Fez-se um silêncio desagradável no cômodo, ninguém
dizia nada, embora todos se entreolhassem, Fazu voltou para próximo de Eshän e
Luviny, envolvendo-as fortemente como se as protegessem do mau que assolava o
mundo lá fora. Os estrondos da tempestade faziam sacudir as janelas espaçosas e
os clarões voltavam a tomar seus lugares em meio àquilo como nunca antes; a
própria noite parecia sentir o que estava acontecendo ali, naquele quarto.
Ruby, delicado como era, após alguns longos momentos em silêncio voltou a
caminhar, o saltinho batendo ao chão com estalidos baixos como sempre – algo
que fazia reconhecer toda vez que ele estava por perto –, os olhos tão
vermelhos quanto os de Karma voltaram-se a seus semelhantes e este puxou a
esposa com jeito para que se erguesse do chão, afastando-se levemente dela para
que Ruby envolvesse ternamente os braços finos pelo corpo feminino ali a seu
lado, abraçando-a num necessário consolo, afim de dar à ela ainda mais força da
qual tanto precisava naquele momento. O choro finalmente tornou-se audível e
Minäh debruçou-se sobre o corpo menor do rapaz, abraçando-o com precisão; ele a
consolou quando Karma partiu centenas de anos atrás, e agora faria o mesmo
quando uma de suas filhas também teria de ir embora.
- Não é justo, Ruby...
- Sei que não é, Minäh... Nada, há muito tempo, é
justo em nosso mundo... Tem de ser feito desta forma, meu bem.
Ele a soltou após apertá-la calorosamente no
abraço, afastando-se para o lado de seu próprio marido, Haruka, mais ao fundo
do quarto e ali ficou enquanto os outros irmãos se mantinham quietos onde
estavam; silenciosos, atentos, apenas observando o que viria a seguir. Minäh
permaneceu estática por mais alguns instantes, nos quais procurava assimilar
exatamente o que estava sendo obrigada a fazer e os fios rosados caíram pela
face, tampando os olhos azuis. Sem sequer parar para escolher qualquer bebê que
fosse, tomou um deles em seus braços, desfazendo bruscamente o enlace sutil que
tinham um com o outro em suas mãos. Sua respiração pareceu falhar e o coração
bateu fraco. Segurando o choro uma nova vez, ela pôde vislumbrar o rostinho
recém acordado a bocejar, olhando calmo para a mãe e abrindo um pequeno sorriso
contente em vê-la antes de entregar-se toda ao estender os braços e abraçá-la
com carinho pelo pescoço.
- Mamãe... – murmurou baixinho e preguiçosa,
esfregando os olhos com uma das mãos pequenas antes de tombar a cabeça para o
ombro da mãe e adormecer novamente.
Por mais simples que a ação possa ter sido, no
fundo, fez Minäh sentir o coração se despedaçar, ela sabia que não iria
adiantar olhar para Karma ou qualquer outro e implorar para que aquilo fosse
feito de outra maneira, e no fundo ela mesma sabia que era o melhor caminho a
ser tomado. As lágrimas grossas rolaram pelo rosto delicado da mulher e ela
dedicou um carinho lento pelos cabelos negros da filha, levando-a em passos
curtos para fora daquele quarto, sem que olhasse para ninguém. Todos os outros
a seguiram, Karma ao seu lado, abraçando-a em sua cintura para mantê-la firme
enquanto no outro braço levava a irmã gêmea da escolhida.
- Chamem Zahara, vamos nos reunir no pátio para o
ritual. – murmurou Karma com um que de ordem na voz.
Viu os sobrinhos correrem à frente e descerem a
escadaria principal da mansão, cada qual se passando em um dos lados da
bifurcação até se reencontrarem ao hall de entrada. Correram ainda mais em
direção às enormes portas que davam aos jardins, empurrando-as juntos para sair
do casarão, quando Karma enfim os perdeu de vista. O patriarca retornou a
atenção para a filha nos próprios braços e a outra que Minäh levava consigo,
mas os olhos rubros do karisim evitavam olhar os de sua amada pois, ainda que
fosse doloroso, ele sabia o que devia ser feito, e assim o faria.
Luviny fora junto de Yina, filho de Kyomu, buscar
os tios, primo e, claro, a velha sábia Zahara. As crianças não sabiam qual sua
idade, provável que nenhum dos outros seres ali a soubessem também, mas
dizia-se que ela era tão ou mais velha que os deuses, aqueles mesmos que os
colocavam em perigo agora, os responsáveis por tudo o que estava acontecendo
naquele momento e por toda a dor que a família passava dia após dia. Era
confirmado pela própria velha que fora ela mesma quem balbuciara a profecia
pela primeira vez para eles, despertando a ira destes para com todo o mundo.
- Vou avisar para a tia Anilari e para o Gadara,
você fala com o tio Hideo e Zahara... Ela me deixa com um pouco de medo... – disse
Luviny baixinho, como se tivesse medo que a velha escutasse o que dizia, e,
assim, mal esperou o primo dizer algo, tomou o lado da esquerda e saiu correndo
em disparada em direção à tia e ao primo, cada um deles vigiando um canto da
mansão, atentos a qualquer sinal do exército dos deuses que poderia se
aproximar dali.
Vendo-se sem escolha alguma, restou a Yina ir
contar a decisão para a medonha Zahara, que também lhe eriçava os pouquíssimos
e finos pelos da nuca só de pensar naquele olhar penetrante que ela tinha sobre
as pessoas, como se pudesse ver dentro da alma de cada um. Ele tremeu o corpo
rapidamente, como se para espantar a aflição; sorte que não estaria sozinho,
uma vez que, antes mesmo de dar de cara com a velha, deveria passar primeiro
por seu tio, que certamente o acompanharia. Seguiu correndo rápido à direita,
afim de não perder tempo algum para dar a notícia, e tão logo parou bruscamente
quando a ponta de sua cauda pontuda fora puxada pelo mais velho, derrapando
próximo deste, o que lhe causou um leve incômodo pela dor repentina.
- Não deve sair correndo dessa forma, garoto, vai acabar
se machucando. E eu sequer posso imaginar o que o babão do seu pai faria caso
isso acontecesse.
O menino parou, ofegante, à frente de seu tio, as
bochechas levemente coradas pela vergonha da advertência que tomava, porém
procurou não se importar muito com isso e sequer o respondeu quanto àquela
questão, segurando-o pelo braço e começando a puxá-lo rapidamente em direção ao
pátio aberto.
- Vem rápido, tio... Karma tomou sua decisão, o
ritual vai acontecer agora!
E continuou a puxar o adulto, podendo ver a
expressão perplexa em sua face devido a nova informação. Assim, ele mesmo
começou a caminhar em passos acelerados em direção ao local onde tudo
ocorreria, dada a urgência da situação. Antes de chegar à este, encontraram
Zahara, ainda cobrindo o posto de Yu durante aquela reunião; a expressão era
carrancuda, porém serena, estava visivelmente calma enquanto seus olhos estavam
fixos no céu.
Pelo contrário do que se imagina de uma velha de
sua quase suposta idade, ela era uma mulher bonita, embora consideravelmente
desgrenhada, com os cabelos negros cheios e algumas rugas em seu rosto, não
muitas, não ao ponto de mostrar-se, de fato, velha.
Yina inspirou profundamente, tomando toda sua
coragem para encarar aqueles enormes olhos âmbar, penetrantes, e deu um passo à
frente, já levando sua mão ao peito para fazer o anúncio quando Hideo entrou em
sua frente, colocando a mão em seu peito de imediato e o escondendo atrás de
si, afim de poupá-lo daquela carga de obrigação.
- Será feito. – ele disse baixo, porém firme, com
os olhos esmeralda fixos nos da mulher. Sua expressão era tão séria quanto
deveria ser, e apenas se ouviu um longo suspiro vindo dela, que sequer pareceu
espantada ou surpresa.
- Já não era sem tempo, não é mesmo? – e pela
primeira vez Yina pôde se surpreender com um sorriso vindo dela.
Não era nada como um sinal amigável, porém também
não era algo que o fazia temer; dava-lhe esperança, embora causasse certa
curiosidade pois era, de todo, misterioso.
Sem mais palavras, ela deu meia volta e colocou-se
a caminhar com seus pés descalços à frente dos outros dois e, ainda assim, Yina
sentia-se levemente incomodado, sabendo que, de alguma forma, ela o observava
com atenção, ainda que de costas para si. Os pelos de sua nuca voltavam a se
arrepiar.
O restante do pouco caminho ao pátio se seguiu
rapidamente, embora tivesse parecido a eternidade para o garoto que procurava
não pensar no quanto estava aflito com tudo aquilo. Assim que chegou ao local,
ele correu ligeiro para trás do corpo de seu pai, abraçando-o pelo quadril e se
encolhendo ali, observando as luzes que invadiam todo palco dos mais novos
acontecimentos.
Tudo parecia mais sombrio do que se encontrava
antes, nem mesmo as chamas prateadas que envolviam o altar deixavam o clima
mais leve para ser presenciado. A enorme pedra ao centro era bem iluminada, parecia
convidar qualquer um a se aproximar e tocá-la, sentir as energias que
visivelmente exalavam desta. Ela por si só já era grande fonte de magia naquele
local, impregnada em séculos com forças consideradas lendas para qualquer um
que perguntasse.
Zahara andava ao redor de toda aquela energia que
emanava ao redor da rocha, os pés descalços se banhando no líquido luminoso e
prateado que fumegava, esguichando gotículas brilhantes quando o fazia e
exalando uma densa fumaça que mais se assemelhava à neblina que cobria todo o
vale a cada manhã que nascia. A calmaria dos movimentos com seus braços e mãos
contrastava com a rigidez com a qual ela batia seus pés pelo altar, e à medida
que o fazia, o líquido que fumegava escorria pelas frestas cravadas na pedra
ali ao chão, convidando com todo o seu brilho a que todos se aproximassem ali
daquela rocha mágica.
Um a um todos os presentes se colocaram em torno
daquele círculo de fumaça, e Minäh entrava por este e depositava cuidadosamente
a pequena filha sobre o altar de pedra, alisando-a pela mão pequena. Os olhos semicerrados
indicavam que ela permanecia adormecida, ou talvez toda aquela luz estivesse
ofuscando sua visão; o fato é que a mão de dedos tão pequenos agarrou a da mãe
e apertou com certa força, como se soubesse ou pressentisse que algo ruim
estava por vir, como se soubesse que, só com ela, sua mãe, poderia estar à
salvo e segura.
Os cabelinhos negros esvoaçavam junto do vento
forte que começara a se formar, rodeando pelo altar com velocidade e
intensidade. Os trovões ainda soavam, estrondosos, junto aos clarões dos
relâmpagos. A mãe precisou forçar-se a se afastar da pequena criança, e fora
rapidamente puxada por Karma para junto de si, o qual a manteve ali abraçada
num de seus braços, enquanto a mulher desabava a chorar seu choro silencioso.
Num instante, Zahara bateu fortemente o pé direito
ao chão e o vento forte fora diminuindo tão rápido quanto havia começado quando
o bebê fora posto no altar, o braço magro e áspero da velha se estendia para a
criança adormecida. Aos poucos, bem de leve, um feixe de luz prateada começava
a sair de sua mão estendida diretamente ao centro do peito da pequena criança,
as palavras iam soando de seus lábios de forma rouca e forte, grave, ouvida por
todos dali:
Buhuna sëk ruh – Extraia esta alma
Rahami horumak ruh – Proteja esta alma
Bu ruhukur ar ruh – Salva esta alma
Tümbo öl kutsamaleri – Absorve todas as bênçãos
Emmek! – Agora!
Kutsanmis Maaek – Seja abençoada
Ruh!!! Bizë gunurum oluk – Alma!!! Torne-se visível
Imitando seu movimento, todos os outros seres ali
presentes naquele círculo estenderam suas mãos em direção à criança, passando
parte de suas energias vitais para ela, a qual tornava-se iluminada com uma
aura reluzente e pesada, que cintilava numa dança sombria. Alguns minutos se
passaram enquanto Zahara mantinha-se a repetir as palavras do ritual e todo o
fluxo de energia era levado para dentro do corpo da criança e, dali algum
tempo, aos poucos e exatamente do centro de onde a energia recebida era sugada,
uma pequena pedra azul safira ia saindo de dentro da pele até pairar, flutuante,
sobre o peito da criança.
Nesse instante a velha sábia bateu novamente o pé
ao chão e, após um movimento brusco com as mãos, as linhas de energia se romperam,
os últimos resquícios foram sugados pelo corpo da menina até que todo o brilho
cessasse. Zahara pegou a pequena pedra reluzente e perfeitamente polida que
externou-se do corpo frágil sobre altar e pressionou-a na palma de sua mão,
pegando a criança no braço em seguida. Agora ela se encontrava inteiramente
apagada, como se houvesse desmaiado no meio de tudo o que acontecera, mas tinha
certeza de que tudo estava bem agora.
- Tenho certeza de que ela viverá bem na Capital –
a velha comentou, observando a face serena da menina em seus braços,
voltando-se depois para os pais que se encontravam logo atrás de seu corpo –
Akasha é um lugar diverso e grande, além de ter maiores opções para sua vida.
Minäh, não trate isso como um adeus, pois não é; você retornará a ver a sua
filha, em breve. Lembre-se disso.
- Por que ela não pode continuar aqui, com a sua
família, com as pessoas que a amam, agora que tudo isso foi feito...? – Minäh indagava
em sua voz baixa, quase sem força para falar.
Zahara voltou seu olhar ao céu, observando as
estrelas, com todo o seu ar de quem sabe demais, e em seguida voltou a admirar
a face serena da menina sobre os braços.
- Porque não adianta o quanto tentemos esconder ou
conter isso, esse selo será quebrado mais cedo ou mais tarde. O que estamos
fazendo é assegurar para que essa “explosão de poder” aconteça no momento certo
– ela pausou a fala, voltando os olhos diretamente à outra mulher – se suas
duas filhas continuarem a crescer próximas uma da outra, como têm sido até
então, tudo o que já aconteceu terá sido em vão.
Deixou com que os pais se despedissem da filha pela
última vez por muito tempo, e depois quem mais quisesse dali do círculo. A
despedida de Minäh e Ruby sem dúvida foram as mais emocionantes. Karma
procurava manter-se firme perante tudo e poderia parecer até mesmo um tanto
quanto frio com o que acontecia, mas se ele desmoronasse ali, não traria força
alguma à mulher amada a qual precisava muito mais de algum consolo do que ele.
Assim, bastou um beijo demorado sobre a testa da criança desacordada para que
deixasse-a partir para onde quer que fosse melhor para ela. Com um longo
suspiro, envolveu Minäh e a pequena Misen em seus braços, e a família
incompleta voltou para o interior da mansão, cabisbaixos e ensopados pela
chuva.
Não mais se falou sobre aquele assunto na mansão
por muitos, muitos anos.
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